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  • Foto do escritorAfonso Nilson

Um Sancho Fiel

Atualizado: 27 de out. de 2022

Crítica teatral sobre o espetáculo Sancho Pança - o fiel escudeiro, do grupo A Tropa Trupe/RN



Um dos personagens mais reverenciados tanto nas academias literárias quanto no coração de leitores os mais diversos, o velho fidalgo Alonso Quijano, o Dom Quixote, da obra El Ingenioso Hidalgo Don Quixote de la Mancha, escrito pelo espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616), e publicado em 1605, é ainda hoje objeto de numerosas adaptações teatrais, cinematográficas, releituras e re-escrituras e reedições.





E não é apenas porque a obra tenha sido considerada a fundadora do romance moderno, escolhida por alguns importantes literatos como a melhor obra de ficção de todos os tempos, mas porque mesmo após quatrocentos anos da morte do autor, ela continua atual enquanto ironia, construção e metáfora.


Se por um lado Cervantes nos deixa um legado literário inestimável, por outro, sua obra acaba sendo tão múltipla, tão diversa e profunda que interpretações, alusões e versões as mais díspares conseguem ainda hoje traçar novos contornos e evocar metáforas sub-reptícias, como no caso do espetáculo Sancho Pança - o fiel escudeiro, do grupo A Tropa Trupe, do Rio Grande do Norte.





Na adaptação do grupo, protagonizada pelo ator Rodrigo Bruggemann, na pele de seu Palhaço Piruá, o fiel escudeiro de Dom Quixote, Sancho Pança, está preso num sanatório, esperando ser resgatado ou fugir para encontrar seu mestre. A feliz opção por narrar as aventuras do Quixote através do olhar de Sancho, fiel até no claustro e no descrédito, evoca de maneira bastante singela, sem deixar de ser profunda, a amizade e a fidelidade como motor da ação, como metáfora necessária nesses tempos de ódios desenfreados e temor pelo diferente.





O humor prolixo e caótico do espetáculo, construído a partir de quadros sucessivos que remetem às principais peripécias de Quixote, mantém uma unidade notável em sua estrutura episódica. A narrativa de Sancho, de dentro do sanatório de onde tenta convencer os interlocutores de sua sanidade, rememora as aventuras ao lado de seu mestre, mas além disso, traça, através do humor, uma crítica mordaz a vícios e preconceitos ainda em voga. Temas como machismo, a violência policial, preconceitos e injustiças sociais são tratados e discutidos com ironia dentro da trama.


Na cena com a musa quixotesca Dulcinéia, por exemplo, onde o ator se metamorfoseia em três personagens simultâneos que dialogam numa das sequências mais hilárias do espetáculo, em meio aos risos e ao embate entre Dom Quixote e o marido ciumento e machista de Dulcinéia, eclode, talvez de um modo um tanto abrupto, um potente discurso em defesa da autonomia feminina, contra o sexismo e a violência contra a mulher.


No mesmo sentido, a principal batalha de Quixote e Sancho não é contra os famosos moinhos de vento, aludidos com grande comicidade no início do espetáculo, mas contra a guarda imperial, uma alusão bastante evidente às polícias e milícias que abusam de seu poder com violências e prisões despropositadas e criminosas no Brasil bolsonarista de hoje.



A engenhosidade das batalhas contra bonecos de ar, a simultaneidade de personagens feitas com perícia e desenhadas a partir de uma sonoplastia que dialoga intrinsecamente com a cena durante todo o espetáculo, as alusões e críticas contundentes à realidade brasileira atual fazem de Sancho Pança - o fiel escudeiro, um espetáculo tal qual os personagens em que se baseia, fiel ao sonho, ávido por batalhas e contundente enquanto crítica política e social.




Ficha técnica do espetáculo

Direção e Dramaturgia: Walter Velázquez (ARG) • Elenco: Rodrigo Bruggemann • Assistente de Direção: Alex Cordeiro • Direção de Movimento: Ana Claudia Viana • Produção Executiva: Renata Marques e Carol Carvalho • Figurino e Cenografia: Ricardo Cerqueira • Trilha Sonora: Gabriel Souto • Operador de Som: Wendel Gabriel / Maurício Motta • Operador de Luz: David Costa • Ilustrações: Clarissa Torres • Design Gráfico: Martín Acosta (ARG) • Desenho de luz: Ricardo Sica (ARG) • Fotografia: Luana Tayze • Audiovisual: Carito Cavalcante




Espetáculo visto no III Festival do Revirado, na Cidade de Içara/SC, em 16, 17 e 18/09/2019.





 

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