Muito se fala em Shakespeare, nos trágicos gregos e nos clássicos modernos. Numerosos livros, reportagens, ensaios e artigos são publicados analisando a escrita teatral, a influência e as relações da dramaturgia com o cânone literário universal. Mas e quanto às autorias contemporâneas, à relação numerosa e diversificada que a dramaturgia brasileira ostenta de artistas absolutamente extraordinários, mas ofuscados por um espaço restrito e muitas vezes inexistente na mídia especializada? Onde são debatidas e analisadas suas obras, sua produção e difusão na cena nacional? É como se os jornais literários, os críticos e resenhistas deixassem sempre em segundo plano os textos dramatúrgicos, como se essa produção numerosa, reconhecida e difundida internacionalmente não devesse fazer parte dos cadernos de cultura.
Penso, como dramaturgo e crítico teatral, que refletir sobre a dramaturgia publicada no Brasil é importante não apenas porque destaca uma produção consistente, numerosa e com uma potência de difusão que vai muito além das pessoas capazes de comprar livros no país. Mas porque, na minha visão, a dramaturgia contemporânea, repetidas vezes muito mais do que outros gêneros, coloca em pauta de forma contundente e discute com propriedade algumas das mais urgentes e necessárias questões sociais, políticas e artísticas que constituem o cotidiano brasileiro.
É por isso que, com muito orgulho e senso de responsabilidade, recebo com alegria o convite do site Ágora Crítica Teatral para escrever mensalmente resenhas, análises e impressões de leitura de textos dramatúrgicos recentemente publicados no país. A coluna Dramaturgias em Perspectiva, idealizada em conjunto com a editora do site, a pesquisadora e crítica teatral Michele Rolim, almeja contribuir para traçar um panorama crítico da produção dramatúrgica nacional, suas publicações e autorias, bem como sua difusão e alcance.
A resenha mais recente é da reedição do texto teatral Sortilégio, do dramaturgo Abdias Nascimento (1914-2011). Absolutamente singular na história da dramaturgia brasileira, a publicação conta com textos complementares de Elisa Larkin Nascimento, tradutora de diversos livros do autor para o inglês e, juntamente com ele co-fundadora do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), além de entrevistas com Léa Garcia, atriz que interpretou a personagem Ifigênia na primeira montagem do texto, em 1957; e Ângelo Flávio Zuhalê, diretor da encenação de 2014, no Teatro Vila Velha, em Salvador/BA. Como posfácio, o livro contém o ensaio do pesquisador e diretor teatral Jessé de Oliveira, Sortilégio para o devir do teatro negro, que reflete sobre a influência do texto de Abdias Nascimento em gerações de artistas negros e seu impacto no imaginário cultural e político do país.
Para ler as resenhas na íntegra, basta clicar na capa dos livros.
Em Blow me up ou Um ensaio sobre a natureza dos homens bomba, do dramaturgo catarinense Max Reinert, publicado pela Urutau em 2022, as relações em família e sociedade são metáfora para violências silenciadas e potencialmente explosivas.
Em A mulher arrastada, de Diones Camargo, publicado pela Cobogó, a violência policial escancara o racismo de estado, o genocídio negro e pulsão sanguinária de forças de segurança que muitas vezes se assemelham grupos de extermínio.
Caras-Pretas, de Igor Nascimento, aborda, através do conflito histórico da Balaiada (1838-1841) as ameaças que o exército e as forças armadas como um todo representam à estabilidade e à democracia do país. Em um momento em que novamente movimentos antidemocráticos se organizam para mostrar os dentes neste 7 de setembro, o texto, mesmo sendo de 2015, publicado pela Resistência Cultural, mostra-se perigosamente atual.
Além das resenhas, o site Ágora Crítica Teatral disponibiliza um acervo numeroso e diversificado de textos sobre a produção teatral brasileira contemporânea.
Fica o convite para leitura.
Link patrocinado:
Comments